Áudio para deficientes visuais
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Há pouco tempo atrás um burburinho agitou o cenário nacional. Todos questionavam quem era “essa tal ” de BlackHeart, inclusive levantando a questão, senão seria mais um golpe, como tantos que já houveram. A BlackHeart deu a resposta e hoje se destaca na linha editorial devido a sua qualidade e profissionalismo. Conversamos com Weder Ferreira, o cara que vem batalhando e levando o nome do seu trabalho além fronteiras.
Salve meu caro! Satisfação bater esse papo contigo, de zineiro para zineiro. Mas vamos lá! Uma frase que deu o que falar no meio dos editores de zine foi: ” zine não é revista”. Muitas interpretações foram feitas a partir dessa frase. Qual sua opinião?
Saudações irmão, eu que agradeço a oportunidade de falar um pouco sobre a mídia underground impressa no Brasil. Essa foi uma frase falada que apenas concretizou ou irei ser mais claro, deixou a problemática da desunião ainda formada na década de 90, um pouco mais exposta. No passado teve a discussão de fazer a mão e datilografado ou fazer no computador, e evoluímos e acredito que ninguém mais faz zine a mão ou datilografado, exceto pela vontade própria ou por saudosismo. E hoje é tudo de forma digital e impressa.
E daí com o aparecimento de “revistas” começou um falatório para todos os cantos, principalmente em grupos de WhatsApp, onde apareceram fotos de fanzines que continuaram com essa afirmação, difundindo o que eles chamam de radicalismo. Bom, em um dessas autorias eu entendi de certa forma o que o autor quis dizer e ela foi publicada em um dos zines em que você faz parte que é o Warfare Book. Houve um explanação do que era uma revista e o que era um fanzine. Conversei com o autor dessa manifestação e o entendi. Mas acredito que nesse momento, de toda essa discussão, ficou claro que a cena brasileira é muito atrasada no que diz respeito a mídia impressa. Pois sabemos que publicações que a maioria dos fanzineiros “radicais” armaram-se contra, são apenas o que chamamos de pró-zines ou fanzines profissionais feitos em gráficas, e isso difere muito de uma revista, já que isso não é o bastante para que uma publicação impressa seja chamada de revista, pois o objetivo maior de uma revista é a grande tiragem e distribuição terceirizada em bancas de revistas ou livrarias. Então sabemos que essa não é a realidade dos pró-zines que existiram ou existem hoje no Brasil, todos tem baixa tiragem e soma mais prejuízos do que lucro. Todo esse falatório é muito contraditório, os caras basicamente entrevistam as mesmas bandas, tem a mesma linguagem, o mesmo modo de distribuição e dizer que um fanzine é feito em xerox e uma revista feita em gráfica, essa é a afirmação mais absurdamente burra que já escutei na minha vida. Pois Xerox é a marca de uma máquina de fotocópia. E acredito que as pessoas deveriam falar que um zine real ele é feito em fotocópia! Acredito que ninguém mais faz uma matriz e vai fazer fotocópias de página por página hoje em dia, todo mundo faz uma impressão digital. E isso não muda no pró-zine, pois uma gráfica em baixa tiragem não faz impressão em offset e sim impressão digital, como o fanzine preto e branco feito em uma gráfica rápida de um bairro, o que muda seria talvez páginas coloridas ou papel de melhor qualidade. No fim tudo é impresso de forma digital em gráfica, seja gráfica rápida ou gráficas maiores com maior capacidade de tiragem.
No final de tudo, baseado nas afirmações e regras cagadas por pseudos radicais… Somos todos reais!
As contradições e conflitos ideológicos sempre existirão no Metal em qualquer campo, é fato. E algo característico do ser humano em geral é o medo do novo, da transformação e acabam se prendendo muitas vezes a algo já arcaico. E quando um “ruído” acontece e perturba, tende a ser combatido. Você acha que é essa linha de pensamento que acontece com os opositores de materiais gráficos com qualidade profissional? Não haveria espaço para o velho e o novo caminharem juntos e assim fortalecerem essa arte que foi um dos pilares da divulgação underground?
Cara eu não sei se esse é a justificativa para essa problemática. O medo do novo isso é um fato, e realmente até certo ponto é algo saudável. Mas à respeito de Metal Extremo eu considero isso apenas como um radicalismo de certa forma ultrapassado. Você quer um exemplo que isso é apenas radicalismo? Hoje em dia temos um trabalho intenso no que diz respeito aos lançamentos e relançamentos que os selos tem feito no Brasil, são cds, lps e até k7s que a cada dia surpreendem mais no quesito gráfico. Slipcase, boxcase, digibooks e por aí vai, cada um com um capricho maior que o outro, dentro dessa realidade não vimos muitas pessoas reclamarem, ainda se vê um ou outro falar que prefere caixa acrílica, mas você não vê ninguém aí falando que o real é fita demo com capa de xerox, como na década de 90, nesse quesito a maioria das pessoas abraçaram o novo e na minha opinião evoluíram. Mas porque nos fanzines não são assim? Acredito que já é algo daquela época, ainda da década de 90, em que uma maioria de fanzineiros armavam uma guerra contra a Rock Brigade e um pouco mais tarde a Roadie Crew. “Toda revista é vendida ou mercenária”, esse era o discurso. E esse conceito não mudou, eles continuam com o mesmo ideal, e acabam de certa forma generalizando, e de forma errada, já que a maioria das publicações tão criticadas por esse meio, são todas fanzines profissionais.
Não é fácil fazer um fanzine em gráfica, demanda logística, dinheiro, contatos, no caso da nossa editora “contratos”, e talvez isso não é algo possível para todos. Mas fazer da luta de uma pessoa e o seu trabalho algo pejorativo, talvez pela opção ou radicalismo a até mesmo por incompetência, é de uma tremenda imbecilidade.
As bandas que muitos desses fanzines entrevistam, pagam caro por páginas inteiras na Roadie Crew, e por muitas vezes essas mesmas bandas não compram o fanzine que a mesma foi divulgada em uma entrevista de graça. E os caras tão brigando para saber quem é mais real, para mim são adolescentes com quase 50 anos que não saíram da quinta série. Existe espaço para todos e a lógica seria que todos andassem juntos, mas talvez isso seja algo utópico! Pois me diga, como você anda junto com alguém que torce pelo seu fracasso? Impossível!
Um fato importante que você aborda é sobre a qualidade de suas publicações. E não podemos negar que enquanto uns torcem o nariz temos uma grande quantidade de apoiadores, que batem palmas a cada novo lançamento. Como você encara essa característica de que qualidade pode e deve fazer parte do underground ?
Isso é muito bom ser abordado, a minha história como fanzineiro iniciou em 93 e eu sou de uma cidade do interior de Goiás, aqui existiam dois lugares apenas que faziam cópias horríveis por valores absurdos. Tive fanzines feito por fotocópia apenas em umas 4 edições, daí pra frente eu participei da evolução de um fanzine para uma revista em 95, essa revista chamava-se Brenda Washer e era sobre skate e hardcore. Eu pude ver como funcionava as coisas e sempre pensei que quando fosse fazer algum número de um novo zine seria feito em gráfica, e assim aconteceu, do início dos anos 2000 até os dias atuais todas as minhas publicações foram fanzines profissionais. E foram muitas, sou responsável pela maior publicação do meio hardcore no país que durou de 1995 até 2015 (verdade eu não escuto só Metal) e agora estamos reformulando ela pra um formato ainda mais profissional. Então minha história vem de muitos anos e deve-se primeiramente ao contato com prozine em 1995 e por eu ter me tornado também um designer gráfico trabalhando em gráficas e desenvolvendo o trabalho para elas onde comecei nos anos 2000. Ficaria muito improvável que com minha relação com o setor gráfico e desprendimento do radicalismo imbecil da época continuasse ainda fazendo impressões mais caras em máquina de fotocópia apenas para parecer mais real. Eu sou um colecionador de material físico, gosto muito de vinil de tiragens limitadas e outros materiais que tem capricho gráfico simplesmente por ser parte desse meio gráfico, que estuda novos materiais e formatos de impressão. E isso parece muito inovador para o Brasil mas é comum em publicações americanas ou europeias. Acredito que underground não está relacionado a qualidade do material e sim a quantidade, conteúdo e principalmente a maneira que é distribuído. Certas afirmações do meio que leio por aí de como é um fanzine ou revista é ignorante ou posso falar que é burra mesmo, formada por opinião de como ele acha e classifica um e outro. A maioria dessas pessoas não tem noção de como funciona uma revista ou até mesmo um fanzine profissional, o que vemos bastante são os mesmos se portando como críticos de revistas renomadas e ao invés de apoiar, falam com a boca cheia de como uma banda, um álbum ou um fanzine produzido de forma independente e carente de apoio é segundo ele bom ou não pros seus ouvidos ou olhos, são os verdadeiros Fernando Souza Filho dessa geração. Pronto para queimar a todos! Só o que ele faz é bom!
O que gregos e troianos podem não está sabendo é o quanto árduo está o setor gráfico atualmente. Qual é a realidade? Quais problemáticas você vem enfrentando?
Sobre todas essa problemática no setor gráfico, deve-se ainda ao desenvolvimento a passos de formiga que nosso país tem. Lá fora você vai até uma gráfica rápida da sua própria cidade com um arquivo na segunda feira e na sexta feira da mesma semana você pega sua publicação com o mais alto nível de impressão e material gráfico com tiragem mínima e de certa forma barata. No Brasil você se submete a gráficas rápidas da mesma forma só que elas tem o seu jeitinho brasileiro de dizer que em 20 dias a publicação estará pronta mas que na verdade demora um mês, e vem defeitos, vem faltando cópias da tiragem contratada e com a embalagem toda violada pelas transportadoras nacionais que são péssimas. Hoje é basicamente impossível manter uma publicação em baixa tiragem, pois a maioria das gráficas estão fechando, o Brasil não tem papel, nem outros insumos… fora que a cada semana os valores sobem. Você hoje vende um fanzine a 30 reais e quando for mandar fazer o valor de produção já é basicamente esse, aí é aquela luta underground que vai o dinheiro do seu bolso que nunca mais você verá. Nós trabalhamos com umas 4 gráficas diferentes, temos vários lançamentos e por muitas vezes para agilizar e não depositar todo nosso dinheiro em uma gráfica eu coloco em 2 ou 3, ultimamente devido a esse problema de falta de papel eu tive de por todo o pedido do mês em uma gráfica e quase fiquei sem pedido e sem dinheiro, foram semanas cobrando. A maior problemática hoje dentro desse setor e quando você quer fazer um fanzine profissional, é depender de uma gráfica que é a quase 2 mil km de você e que você conhece apenas por um site. A realidade é que para nós nesse país termos um trabalho consolidado você tem de trabalhar como se estivesse em uma empresa, mas visando apenas a “causa underground”. Pois você enfrenta todas as dificuldades burocráticas e financeiras e ainda não tem o apoio de uma cena, já que existem meia dúzia de seres que se empenham a todo custo em espalhar o conceito de quão verdadeiro ou falso é o seu trabalho.
Vivendo esse mundo em torno de edições underground, é claro que muitos contatos são feito e alianças tentam ser formadas. Você comentou acima sobre toda a problemática de lançar atualmente um material de qualidade. Mas me diga, e nos bastidores? E nos contatos com selos, bandas, clientes, zineiros etc, é mais tranquilo para se ter um conteúdo para publicação ou os obstáculos continuam de outra forma?
Os bastidores é o mais complicado nos dias atuais na minha opinião. No passado quando as mídias físicas eram a única forma de divulgação de uma banda ou selo, acredito que existia uma outra valorização desse trabalho, eu infelizmente vivi muito pouco essa fase, logo veio a internet, os grupos de Orkut, Mirc, ICQ, MSN, blogs e compartilhamento de MP3. Hoje um selo ou banda consegue divulgar seu trabalho sozinho nas mídias sociais. Então temos hoje uma quantidade boa de selos que firmaram com nós uma aliança e a cada edição existe uma cooperação mútua. Ainda que exista fanzineiros que não gostam de nós existem também os que gostam e nos apoiam assim como o público que nesses quase 3 anos são clientes fiéis! Nós já lançamos mais de 50 publicações e existem pessoas que tem todas e alguns compraram em todas as versões, pois algumas edições saem em um formato mais simples e também die hard. Então temos o apoio necessário! Mas existe também a falta de apoio e o desdém vamos dizer assim! É meio estranho você entrevistar uma banda que no caso o selo dela nunca te procurou, e vejo que esse pessoal na mente deles entendem que precisamos deles, e a verdade que eles também precisam de nós, talvez em uma proporção ainda maior. Você com certeza conhece um fanzineiro, quantos deles tem apoio de selos? A maioria divulga esse pessoal gratuitamente, pagam para divulgá-los, pois uma página custa dinheiro, na fotocópia ou na gráfica. A realidade maior são de fanzines sem apoios e isso é extremamente desleal pois nós somos os responsáveis em documentar essa fase, em um formato que não será apagado pelo tempo ou por um vírus de computador ou por problemas com um servidor. Eu considero esse pessoal apenas como vendedores de discos, sem ideal algum. Agora sobre bandas, existe uma reclamação imensa no Brasil de bandas que não respondem entrevistas. Eu não tive esse problema ainda, mas é um problema bem comum em nosso país! Mas existem bandas de metal extremo que pagam pra sair numa grande revista que sai de Van Halen à Burzum mas não respondem pequenos fanzines…. Vivemos uma fase controversa…
Sim! Posso dizer que a imensa maioria dos fanzineiros fazem essa arte por “amor” e como você disse, gratuitamente. No máximo há permutas. Mas há outra questão que podemos levantar da sua resposta anterior. Percebi que atualmente a grande maioria dos selos, e isso a nível mundial, enviam os presskit de seus lançamentos em formato digital. No seu caso em particular como você enxerga essa relação de publicação física X Divulgação digital? Há quem diga que quem faz zines ou revistas querem na verdade é aumentar sua coleção!
Eu acho que essa é a tendência mundial, o presskit digital, mas você já viu a quantidade de lançamentos que são feitos no mundo todo? Com certeza você pode constatar no e-mail do portal da Lucifer Rising que chega diariamente material. No passado o presskit era um CD, um release e uma foto impressa com o logo da banda e do selo, era uma fase mágica! Hoje existe na verdade falta de profissionalismo ou desinteresse dos selos brasileiros, você recebe um CD, sem nenhuma informação do que se trata. Agora sobre mídia física e mídia digital, eu recebo no meu e-mail muita coisa e não consigo abrir nada, nem se eu quisesse pois o tempo não deixa, eu trabalho o dia todo com o celular, vou pro pc só quando vou diagramar algo, e música pra mim é só em um vinil ou CD. Eu sou colecionador de vinil e voltei a comprar CD quando os selos brasileiros começaram a produzir um material de qualidade e isso eu posso te dizer que foi a partir de 2017, eu havia parado de comprar cds em 2008, e depositava tudo na coleção de vinil. Hoje com a BlackHeart recebi muita coisa de selos e fiz trocas e meu acervo de CDs aumentaram. Então pra uma pessoa que não gosta muito de CD e curte vinil, baixar um MP3 pra review, esquece… se chegar a esse ponto dos selos trabalharem apenas com o digital eu farei review do que eu comprar apenas e talvez a BlackHeart terá outras matérias que substituirá a sessão de reviews… disso você pode ter certeza. Quem me conhece sabe que não uso Spotify nem YouTube não gosto de conhecer bandas novas por links, ou eu compro o álbum ou jamais ouvirei. Agora… sobre esses selos que acham que estão me dando um CD ou enchendo a minha coleção, eles perderam a noção de trabalho, tempo gasto e custo de uma publicação de alto nível gráfico. Acredito que esse pessoal estão se achando a Sony Music. Mas não sei se você nota muitos selos enviam CDDS para as garotas blogueiras fazerem fotos com seus discos e escrever duas linhas sobre o álbuns no Instagram, mas quem sou eu pra julgar, cada um com sua visão comercial. O dinheiro de um selo empregado em seus materiais tem valor e o nosso tempo e trabalho também. Talvez isso seja algo que não pensamos bem, no passado tudo era pela “causa underground”, e hoje todos os selos se profissionalizaram, existem lançamentos e mais lançamentos e virou um negócio rentável para esse pessoal, só não pode virar pro fanzineiro, que apoia esse pessoal e no final ainda é mal falado… Tem selos que você envia uma proposta de mídia ele nem te responde, na BlackHeart no momento estou enxugando uma boa quantidade de contatos… e vai acabar ficando uma meia dúzia de pessoas que nos acompanham desde o início…
Você tem realizado grandes resgates da história dos fanzines no mundo. São resgates históricos que até pouco tempo não se imaginaria acontecer. Exemplo é a reimpressão do Blasphemous Mag elaborado nos anos 90 por the Magus do Necromantia e o Dizaster zine aqui do Brasil. Nos conte essa aventura arqueológica e toda a caminhada para conseguir reunir estes materiais e transformar numa qualidade satisfatória.
Começamos com a BlackHeart com intuito de fazer apenas um fanzine profissional, com tiragem limitada de 50 cópias e durante o processo de criação tivemos a proposta de um selo de aumentar para 100 cópias. E então começamos o nosso trabalho chegando em nosso número 2 com 200 cópias. Tivemos a ideia de fazer um fanzine sobre o Sarcófago, fizemos, mas tivemos uma cancelamento do selo responsável pela banda e tiramos tudo de circulação. Com essa edição fui mexer em tudo que eu tinha, e vi que possuía muitos arquivos antigos, e as ideias então, começaram a surgir, lançamos muitas outras edições de bandas nacionais até chegar nas bandas de fora que foram, Varathron, Acheron e Necromantia. Com isso tive de pedir autorizações e tive contatos ampliados que chegaram a produção desses livros. Eu sou um pesquisador no que diz respeito a cultura do fanzine impresso, existe muita coisa que eu tenho vontade de lançar no Brasil, o problema está primeiramente na autorização, pois geralmente fazemos um contrato com os autores e o outro problema é o apoio da cena local, pois são mínimas pessoas que compram. Falando sobre a matriz desses trabalhos, eu tive de comprar dos autores ou em alguns casos recebi a licença pois são pessoas que valorizam e respeitam a Edições BlackHeart, você pode até achar esses materiais escaneados na internet, mas são todos em má qualidade, recebi os arquivos dos próprios autores em ótima qualidade e passei todos em um processo de tratamento digital, para depois eles serem impressos em material gráfico da melhor qualidade possível. Essas edições por exemplo foram lançadas lá fora, mas as brasileiras tem uma qualidade superior em relação ao papel e qualidade gráfica. Como não temos muitas vendas desses materiais, ele acaba sendo uma realização pessoal, me sinto realizado por isso. Lançamos o Blasphemous Book que tem as duas edições do Blasphemous, fanzine do The Magus do Necromantia, fizemos o The Black Montanas, fanzine feito por Equitant e Proscriptor do Absu, lançamos uma versão do Noctum e iremos lançar o Dizaster, ambos do Ary Necrocvlt. Ainda iremos lançar o Genital Necrosis do Jim Mutilator e Sakis Tolis do Rotting Christ, outro grande trabalho da década de 80. Em breve anunciaremos um material que acredito que a cena nacional ficará de certa forma honrada por ter a possibilidade de possuir um dos fanzines mais importantes do metal brasileiro. Durante esse tempo tentamos vários outros nacionais, mas muitas autores não foram muito maleáveis e tornaram impossível algumas publicações. Na verdade as ideias não param, o que dificulta mesmo é a cena que limita tudo.
Temos uma visão de terceiro mundo de que tudo acontece por aqui depois. Seja tecnologia 5G, vacina, arma nuclear, etc. Percebemos o quanto o mundo virtual está inserido no underground brasileiro e falamos sobre isso anteriormente (presskit digital, mp3, webzine). Se aqui já assim, seguindo minha linha de raciocínio, imagine no exterior! Dessa forma, como é a aceitação dos seus lançamentos pelos gringos ? É algo válido ou apenas poucos lá fora dão ainda suporte as publicações físicas?
O Brasil de certa forma anda duas casas atrás, lá fora tudo é diferente e começa pela logística do setor produtivo, acredito que a cena tem problemas parecidos, mas um grande exemplo da facilidade de uma editora na Europa por exemplo está no acesso a todos os países europeus, o inglês ser falado em muito desses países, então você faz uma publicação acessível em transporte e leitura. Lá fora as publicações são feitas em formato físico e algumas oferecem ao público o formato em pdf, já me foi proposto no Brasil esse formato, principalmente por gringos, mas é algo muito sem graça, eu não leio pdf, então não viria graça em fazer algo assim. Outro problema é que já presenciei nesses grupos de zineiros, os caras compram um pdf por exemplo da Oldschool Metal Maniac da Polônia e distribui gratuitamente por aqui. Ou seja é algo que funciona lá, assim como álbum digital, todos os selos vendem mas a maioria das pessoas que compram são de lá mesmo, no Brasil as pessoas esperam ser postado no YouTube. Mas diante de tudo isso, da realidade digital, do comércio digital lá fora, ainda existe de forma considerável a compra de material físico, nós temos anunciantes europeus, recebemos alguns cds e lps promocionais de bandas e selos, dos EUA, Europa, México, Malásia, Singapura… lançamos uma edição nossa pela Cult Never Dies na Europa, temos muitos contatos de bandas e produtores do mundo todo e uma boa clientela lá fora que compram nossas revistas e livros… muitos compram em português mesmo e usam aplicativos do celular para traduzir, então acredito que isso é mais cultural, lá o pessoal lê mais, dão um valor maior a mídia, sabem que precisam dela e não pedem nada em troca, simplesmente reconhece seu trabalho e pronto. Aqui já tive proposta de banda que cobrou para ser entrevistados… mas com certeza essa entrevista não aconteceu.
Certa vez li uma crítica sobre as revistas nacionais e que até abrangeu alguns zines. Criticava-se o fato dessas publicações lançarem 90% de suas edições com bandas gringas na capa, deixando as nacionais em segundo plano, com apenas o nome na capa ou uma pequena foto de destaque. Como você analisa esse fato?
Acredito isso ser um fato e acabou tornando-se cultural no Brasil, e vem de revistas antigas, os fanzines já trabalham de forma diferente a maioria no passado usava-se muito desenhos, eu quando fui fazer o primeiro número da BlackHeart pensei em fazer com um desenho, mas acabei colocando uma foto, e eu sou um cara muito sistemático, desde a primeira capa eu não mudei nada e fiquei então preso nisso pelo meu próprio sistema, mas fora da BlackHeart eu fiz diferente, se você notar outras capas, apenas na Doom Faction você verá foto de banda. As edições especiais tudo foram fotos de desenhos, e eu hoje gosto muito da foto de uma banda na capa mas fico muito dividido também com a possibilidade de um desenho, mas por ter essa parada de começar de um jeito e terminar da mesma forma mantenho foto de banda. Agora sobre a escolha da capa de nossa revista está relacionado apenas ao meu gosto pessoal, todas as nossas capas foram bandas que eu gosto muito, eu escuto muito Black Metal, mas o som que está sempre no meu toca discos são as bandas clássicas de Death Metal, bandas que passei a adolescência ouvindo, então se eu consegui entrevista-las logicamente elas seriam capa. Todas a bandas até agora que estiveram em nossa capa, sou fã! Tivemos o Krisiun que curto muito o som, acho os caras desbravadores. Não é desmerecendo bandas brasileiras, mas no mesmo lugar com o nome apenas do rodapé da capa, estiveram outras bandas que trariam um apelo maior em venda, do que a que eu escolhi para a capa, mas como a BlackHeart é um fanzine profissional, eu escolho o que realmente me agrada mais. Agora sobre os outros fanzines acredito que talvez não seria a grande dificuldade em entrevistar uma banda nacional? Existem bandas gringas que entrevistei que em 2 dias as respostas estavam no e-mail! E fotos, será que todas as bandas nacionais tem um trabalho profissional em fotos? Muitas vezes eu tenho de fazer milagre apenas para ter uma foto boa na entrevista de uma banda.
Muitos não aceitam bem as críticas. Eu acho importante quando feita com respeito e como forma de melhorarmos em algum ponto. Concordo contigo, muitas bandas nacionais precisam se profisionalizar na questão de divulgação. Como você disse, as vezes precisamos fazer milagres e mágicas até mesmo para uma simples postagem no Portal. Conte-nos algum fato ou fatos inusitados que vc já passou na labuta de suas publicações.
Já aconteceu inúmeras coisas nesse pouco tempo de trabalho e acredito que colecionamos problemas, os bastidores em muitos casos é um ambiente árduo, você lida com muita coisa, bandas, anunciantes, colaboradores e fatos inusitados acontecem, um bom exemplo é quando você faz todo o projeto de uma edição e ainda que eu divulgue apenas quando tenho todas as entrevistas em mãos, eu faço muitas vezes o projeto de capa e quando recebo a entrevista o cara respondeu de qualquer jeito, com frases menores que as perguntas e isso é frustrante, aí você acaba mudando a banda da capa. Outro fato foi ao entrevistar uma banda e na metade da entrevista o cara me respondeu que estava com saco cheio de responder perguntas, aí você acaba publicando algo incompleto. Teve uma outra entrevista que o cara deletou a metade das minhas perguntas e ele mesmo fez as próprias perguntas kkkk…. Acredito que essa foi a pior até hoje, se você que fez isso está lendo essa entrevista, não faça isso com outras pessoas kkkk… Eu esses dias recebi uma entrevista de uma banda que eu nem fiz, aí pensei o pessoal me enviou por engano, mas quando fui ver a banda está enviando entrevista para várias mídias, perguntas já respondidas, não sei que lógica tem isso nessa era digital.
Volta e meia ouço alguns comentários, inclusive como indiretas, de certas “panelinhas”, tipo “a panela da Lucifer Rising e seus coleguinhas”. De certa forma vejo como pessoas que não tem interesse em fazer uma parceria, pois não procuram isso, mas se incomodam com algumas alianças feitas. Você já passou em algum momento por esse tipo de situação com as publicações da BlackHeart?
Imagina se vivêssemos em um mundo perfeito onde todas as pessoas fossem amigas uma da outra e que dentro desse ambiente as pessoas pudessem contar uma com a outra em perfeita harmonia. Bom isso não existe e é extremamente utópico, existem diferenças e vivemos em mundo cheio de atritos, o Metal e é apenas um nicho pequeno dentro dessa sociedade hostil, então acredito que em muitos casos o que é chamado de panela, seria afinidades, que pode além de tudo ser muito momentânea. Você já respondeu parte da pergunta, as pessoas não estão interessadas em nada, a não ser ter uma opinião crítica de como tem de ser o seu trabalho. Eu nunca dei ideia a essas conversas, até que essa semana fui propor uma parceria entre nós e um selo e o mesmo disse não quer entrar por não gostar de panelas. Bom é muito complicado e eu nem tento entender esse ser injustiçado, acredito que tudo é construído em um caminho, a BlackHeart começou com 3 parceiros que hoje não estão mais conosco, pois são 3 selos que estão, acredito, dando uma pausa em seus trabalhos, um deles fechou sua unidade no Brasil que é a Hammerheart. E dentro de toda nossa história eu tentei progredir, pra chegar o que temos hoje em material impresso dentro da editora e alguns desses parceiros foi nos abandonando no caminho. Então no que diz respeito a nós, a resposta se existe ou não uma panela na BlackHeart, eu só posso afirmar que existem parceiros que estão conosco e que esses estarão até o momento que for interessante para ambos os lados. A BlackHeart não deixará de existir se um dia não tivermos mais nem um selo conosco, prova disso são várias publicações nossas que não existem nenhum anúncio. Só não haverá mais uma tiragem tão ampla e talvez torne-se menos acessível, pela limitação das cópias. Acredito que nós, que a Lucifer Rising também é outro exemplo e entre outros pro-zines que estão ligados a Edições BlackHeart estão abertos a todos os selos, todas as bandas, distros e fanzines. Ao invés de falar bobeira entra em contato e veja se as possibilidades de parceria te atende, deixa de ser criança pois acredito que você já é um homem adulto que consegue entender que não são todas as suas expectativas que serão atendidas nesse mundo. Quantos selos que entramos em contato mas eles só visualizam a nossa mensagem? Uma coisa que deve ficar frisado é que pela lógica, uma revista impressa onde é muito caro produzir, o espaço é limitado e acabamos divulgando e dando preferência a material e bandas de parceiros. Muitas bandas, que é o que já acontece, quando quer ser divulgada por nós, eles mesmos entram em contato, pois o selo não se interessa muito, isso é outra realidade existe tanto desinteresse que a banda tem de fazer o trabalho do selo, senão cai no esquecimento.
Você recebe muitas propostas de bandas e selos para comprar capas de suas edições? O que acha sobre o assunto?
Essa é uma pergunta muito atual no que diz respeito aos novos tempos, vamos dizer assim. Tratando-se de selos eu tenho o privilégio, ou melhor nós temos no cenário brasileiro o privilégio de ter pessoas muito éticas, e todos os selos que trabalham com nós na BlackHeart entendem como funciona todo processo underground talvez por que em sua maioria, são pessoas que estão a muito tempo nessa luta e muito antes de terem selos, então essa proposta eu nunca ouvi de um selo, as vezes uma proposta, tipo “se você quiser entrevistar tal banda posso ajudar no contato” e isso é completamente normal, e contribui ainda mais a publicação, e também prefiro também dar uma preferência e atenção a eles, pois são as pessoas que me apoiam… então são pessoas muito éticas no todo, e gosto muito de trabalhar com elas. Agora existe sim uma situação muito desagradável e completamente ilógica, a primeira é uma banda ou personalidade pedir para ser entrevistado, isso me soa muito estranho… agora existe um pessoal que são agenciadores de bandas undergrounds que fica no seu pé, querendo que você faça uma entrevista com a banda que ele agencia, cara isso é algo que para mim foge muito da função no underground, talvez isso seja legal para revistas que estão nas bancas, com capas diversas com todo tipo de conteúdo rockista. Chegando ao ponto mais crítico que é a tentativa da compra de uma capa ou pôster, isso é extremamente desleal com o leitor e deixa de ter a veracidade e começa a ser algo completamente artificial. Acredito e luto com a editora pelo leitor, pois pra mim é quem verdadeiramente importa, então a capa é para aquela pessoa que segue mesmo o metal extremo, que vibra juntamente conosco a cada conquista e o pôster é um brinde, e nele terá aquela banda que a pessoa tem a verdadeira vontade de por na parede. Isso já aconteceu e tentaram comprar por um bom dinheiro, eu falei que isso era fora de cogitação, ofereci um anúncio na revista, e a pessoa sumiu depois disso. Não é porque isso é comum lá fora, ou que as bandas tem seus agenciadores, ou porque para você estar nas revistas grandes você tem de pagar, que nós cederemos ou abriremos a nossa perna para o comércio. Pode até ser uma banda legal mas, depois de todas essas propostas, para mim perde-se a graça.
Vamos finalizar por aqui! Pois temos que lembrar que a turma está cada vez lendo menos e essa nossa entrevista pode assustar pelo tamanho…hahahaha….. como de praxe, fique a vontade para deixar suas considerações finais.
Espero que as pessoas consigam ler tudo que falei aqui e entendam! Vivemos um momento que acredito ser o mais frutífero a respeito a mídia impressa no Brasil em relação ao metal extremo. Muitos fanzines com ótimo conteúdo e material gráfico, se existe mesmo outra fase como essa eu desconheço. Ao invés de disseminar a discórdia, apoie os zines e os fanzineiros. Apoiem os selos que ainda tem alma e não se preocupam apenas em vender discos! São muitos que ainda estão aí na batalha, se não pode comprar algo, compartilhe, divulgue, leia os portais, se informem! Agradeço mais uma vez a você Giovan e a todos os colegas da Lucifer Rising e principalmente aos leitores que tem todo esse tempo nos apoiado!
Até mais!