Áudio para deficientes visuais
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O nosso mundo é nutrido por paradoxos, como a arte imita a vida e a cena underground tem todos esses requisitos: vida e arte, não poderia ser um espaço tão fértil para paradoxos, daqueles de todos os tipos, desde os mais realistas aos mais utópicos, dos mais sérios aos mais ridículos.
É fato que vivemos num país capitalista, reforçado pelas transformações do mundo industrial, das construções culturais universalistas sistematizadas por países ricos que foram incorporando seu modo de vida aos países mais frágeis politicamente, ou servis politicamente seria o termo mais adequado. Países que se enquadrassem nos estereótipos facilmente, pois não teriam grande desenvolvimento humano em todos os quesitos (leia-se educação, saúde e segurança). Alvo fácil para manipular seus “gostos” e transforma-los em potenciais reprodutores de verdades engessadas e pasteurizadas!
O underground não ficou livre disso, pelo contrário, passou a ser uma micro reprodução deste cenário padronizado de valores torpes moldados pela moral civil e o recato religioso, civilizatório e ardil, onde o dinheiro é a peça mais importante, a “coisa” que dá o papel ideal do que o ser humano é: aquele que tem algo e não aquele que é algo, o infinito paradoxo entre o ter e o ser, o que tem e o que se é! Somos cifras e se não fabricamos ou reproduzimos aos montes essas cifras, ainda que seja em causa de outrem, não seremos nada além de escória. Há tempos que o valor do homem é medido pela quantidade de coisas que tem e não pelos valores que ele carrega, sejam aqueles mesmos valores que a sociedade imprimiu como padrões ou aqueles que são construídos as bases empíricas caindo em novos paradoxos como: isso é certo e isso é errado…
Às vezes fico pensando: as custas de quem cada indivíduo deve guiar sua vida? A base de quem pra garantir ou determinar quais são os caminhos que você deve trilhar para assim e, somente assim, passar a ser e não ter? A medida que vou escrevendo esse texto, me vem a memória alguns pensadores, principalmente de um passado não tão distante, não aqueles pensadores de mais de dois mil anos atrás, não! O de duzentos anos atrás já tá bom, que trazia um pensamento maniqueísta para a pauta do homem moderno: pessimista (Friedrich Nietzsche 1844 – 1900) ou positivista (Charles Darwin 1809 – 1882), certamente eu estava mais para Immanuel Kant e seu ardoroso discípulo Arthur Schopenhauer e posso então ser descrito como um Pessimista Metafísico de direito (direito e não direita!).
Nosso mundo particular é sim paradoxo, ao passo que na cena vemos uma profusão inspiradora de bandas atuantes, novas bandas poderosas surgindo, uma cena, em quantidade, aparentemente aumentando, a quantidade de zines e revistas ligadas ao underground extremo jamais vista na história, lançamentos alcançando vinte mil visualizações em plataformas digitais em 48h de exposição, porém do outro lado dessa ponta temos: pessoas muito mal intencionadas, preocupadíssimas em difamar os outros, mal dizer, levar e trazer e não contribuir em nada com a parte oposta na ponta do paradoxo. Selos que lançam seus materiais mensalmente, mas não enviam uma cópia se quer para ser resenhada nesses veículos de comunicação que estão no front (me reservo a esta parte pois faço parte dessa revista e, praticamente, nenhum selo me envia material para resenhar, muitos que faço são aquisições pessoais e particulares do meu próprio acervo – salvo algumas raríssimas exceções e, pasmem, quando acontece são de selos considerados “pequenos”, que mesmo com baixo orçamento, investem na promoção de seu cast, apostam na visibilidade, na credibilidade de uma resenha bem feita, por gente séria nesses veículos).
Dando continuidade à lista de paradoxos positivos, podemos também relatar a presença de selos que vem investindo seriamente nos materiais físicos e começaram a enxergar um nicho no Brasil há muito desprezado, que é o nicho dos colecionadores, como tal (um colecionador), sempre vi grandes lançamentos no exterior com versões exclusivas para colecionadores e sempre me questionei porque aqui no Brasil esse tipo de lançamento nunca acontece, ou dificilmente chega? Para minha grata surpresa, tenho testemunhado nos últimos quatro anos, alguns selos investirem nesse nicho, fazendo versões especiais de seus lançamentos exclusivo para colecionadores e espero que isso não seja algo passageiro, porém ainda considero um ato isolado e restrito.
Sobre esta postura de investir nos lançamentos dos selos nos deparamos com outra coisa que já escrevi num outro artigo sob o título “Ruir ou Renascer – o paradoxo de existir numa cena em franca decadência consumidora”; o artigo expressa minha aflição sobre o paradoxo do mercado fonográfico no underground e, quem sabe, estou reeditando esse texto com outro corpo? Ter público que se interesse em consumir os produtos físicos que são consumidos nos aflige, diante de paradoxos como revistas que estão nas bancas podem chegar a vender trinta mil cópias de um exemplar por mês, enquanto que um zine no formato de uma revista precisa torcer para vender duzentas cópias em dois ou três meses, mas o que pode ocasionar toda essa discrepância, todo esse extremo de interesses? É profundo e complexo, são muitos pontos os quais posso retornar ao início do texto: à quem interessa a notícia? Quem são esses personagens da cena que se interessam por leitura, por exemplo? Será que se interessam por leitura ou por figuras? Qual o nível intelectual desse público? Qual sua capacidade interpretativa? Quais argumentos transbordam de seus cérebros diante da ignorância de grandes autores, pensadores, artistas…. Estão realmente informados? São capazes de diferenciar as ideologias, sentidos frasais, colocações neutras ou colocações tendenciosas? Será que todos estão aptos para absorver o conteúdo de uma contracultura provocada pelo underground?
Ah Naberius, você é um saudosista! Talvez, mas aqui, neste caso, nem estou sendo. Aqui é o puro realismo, existir nessa sociedade capitalista selvagem, em que o dinheiro diz quem você é, é muito esquisito. A medida que o tempo passa e você vai mergulhando no conhecimento e percebe que é um micróbio que se achava minhoca, a realidade cai sobre sua cabeça feito uma bigorna em queda livre do alto de 6 metros. E conviver com esses paradoxos me deixa deveras angustiado, pois a sensação que tenho é que esse tipo de mecanismo nunca vai trabalhar invertido, que a inversão nunca vai acontecer porque ela pertence à utopia, a mesma utopia que impregnou uma série de ideologias e que a realidade do pensamento do homem que evolui de Darwin também é uma falácia. Esse homem, Sr. Darwin, dá um passo para frete e dois para trás freneticamente e ininterruptamente, num frenesi sem precedentes em looping eterno. Dá para ser positivista? Eu até gostaria, mas tá aí uma teoria que ainda me dá nos nervos. Estou mais propenso ao aforismo de Nietzsche e o relativismo de Kant… sim, sou pessimista!
Esse meu pessimismo não consegue enxergar cura de pessoas medíocres que se instalam em redes sociais a fim de proliferar palavras venenosas, tóxicas, esses venenos de efeito inesgotável sem precedentes, meu pessimismo não enxerga atos diferentes de seres humanos torpes que querem vigiar os atos dos outros enquanto suas vidas estão afundando no lodo de sua ignorância ou, trazendo para ceara do underground, selos que mudem suas posturas e invistam de verdade nas bandas de seu cast ao invés de apenas esperarem que todos corram atrás delas, é preciso que haja uma ação mútua e não unilateral, mas aí eu já vou pensar: ora ora, você está sendo otimista! Não, o que eu projeto como uma possibilidade remota ainda está no campo da utopia, se é utópico ainda sou pessimista.
Dificilmente o cenário será outro a curto prazo, pois, como disse, esse paradoxo de micro mundo reproduz toda sujeira que faz parte do macro, os preconceitos, as fobias, os maldizeres, a falta, sempre falta um monte de coisas… mas o que esperar se estamos tratando de humanos? Humanos carregam consigo, desde sempre, o tão destrutivo ego… o humano “egóico”, jamais será capaz de entender a civilidade que mesmo ajudou a construir no Neolítico, pois seu ardil primitivo da pedra lascada, jamais saiu de si… viu Darwin, te ajudei!